30.1.14

Duzentas

capítulo primeiro


— Olha só, mulher, aqui diz que um cachorro entende duzentas palavras.
     Dona Dalva concordou, como aprendera com os quarenta anos de casamento, com um “u-hum” mecânico e não chegou a tirar os olhos da fatia de mortadela que puxava do embrulho. À mesa da cozinha, chinelos, calça social e regata do time do coração, seu Jonas folheava a revista que o motoqueiro jogara por cima do portão minutos antes.
     — Duzentas é bastante... Você fala tudo isso, Major?
     Era uma manhã nublada, quente e úmida. As folhas dos pés de jabuticaba absolutamente paradas. O Major, deitado com o corpo na varanda e a cabeça apoiada no degrau da porta, abanou o rabo com alegria. O vira-latas, muito grande e totalmente preto, a não ser pela barbinha branca que aumentava ano a ano, levantou os olhos tranquilos para o dono...
     — E eu, quantas palavras será que eu sei?
     ... e o dono, pensativo, pousou a revista de ciências e curiosidades ao lado da xícara de café que esfriava. Dona Dalva terminou o sanduíche, juntou umas migalhas sobre a mão em concha e foi, como dizia, cuidar da vida, que não anda fácil para ninguém. Ainda não sabia muito bem o que fazer com o marido recém aposentado; aprendeu com a mãe que homem dentro de casa não presta. Talvez o mandasse cortar a grama.
     E o velho Jonas, segurando o café quase frio, continuou olhando para o cachorro esparramado na varanda. Agora já não era mais só um vira-latas, era um mistério.

* * *
Um conto em capítulos, para marcar a volta do blog à ativa; vou publicando -e dando uns retoques- ao longo dos próximos dias. Espero que gostem da saga do nosso amigo Jonas.

25.1.14

Voltar

Tenho, há tempos, ensaiado uma volta.
     Não foi só o blog que esteve às moscas; nem bilhete de porta de geladeira se vê mais aqui em casa. Os lápis andam abandonados. E se me perguntam o porquê, não posso apontar um culpado, não sei dizer um motivo em especial. Foi tempo de me calar, acho.
     Tenho, há tempos, ensaiado uma volta, ensaiei muitas coisas, mas acabo concluindo que quase todas são bobagens, tudo é vaidade. Pensei em mudar, em começar de novo, em inventar marketing, em contar sobre os milhares de acessos –saber que sou lido é uma coisa sempre assombrosa–: tudo vaidade. Volto porque sinto falta, porque gosto disso aqui, volto porque sinto que é tempo de voltar, e quem volta assim não traz na mala muitas explicações.
     Pregam-se os retornos triunfais, monumentais, vingativos até. Eu, de minha parte, prefiro o retorno tímido, quieto, sem triunfos ou fracassos. Só uma volta, uma entre essas tantas da vida. De longe, avisto a casa de sempre, o portão encostado, a fumaça de um café amigo e sorrio. É bom estar aqui.
     E obrigado. Sempre.

* * *
Só uma pequena concessão, se me permitem: o Acepipes ganhou página no Facebook. Afinal, ver rostos amigos é sempre bom. E obrigado, mais uma vez.