26.9.11

Mamões e casamento

Faz um tempo, minha esposa tomou a missão de colocar frutas no meu café da manhã.
     Outro dia, uma tarde chuvosa, saí do trabalho e passei no mercado para comprar alguns mamões. Na banquinha, achei só uns poucos, e todos meio feios. Garimpei, escolhi os mais apresentáveis e acabei conseguindo três, cada um com algum defeito pequeno.
     Na manhã seguinte, cortei o primeiro em dois: uma metade com umas marcas de batida na casca e a outra perfeita. Comi a parte pior –tive que jogar uma colherada no lixo– e deixei a melhor sobre o balcão da cozinha. Mesma coisa fiz na segunda manhã, com o segundo. O último que sobrou na geladeira tinha uns pontos pretos; virei-o na prateleira de um jeito que escondesse as manchas.
     Pois hoje, dia do último mamão, minha mulher acordou mais cedo –normalmente eu me levanto meia hora antes– e, quando eu saí do banho, ela já tinha tomado café da manhã e cantarolava no quarto. Fui para a cozinha e estava lá meu cereal, o leite, o pão, os frios e uma metade de mamão. Na hora, lembrei dos pontinhos podres e virei o bendito para ver: imaculado. Minha esposa acabara de ficar com o pedaço ruim.
     Pegando a colher, me senti meio culpado por não ter ido à cozinha antes que ela. Mas, no segundo seguinte, pensei que isso seria negar que ela também pudesse fazer algo por mim. Imagino que tenha ficado feliz por ter saído da cama mais cedo para descobrir a parte ruim do mamão e escondê-la de mim, a mesma alegria silenciosa que eu tivera nos dois dias anteriores. Porque, no fundo, um casamento é isso: oferecer ao outro sempre a melhor metade.

13.9.11

Voltar

E tem essa coisa de voltar. Quando era pequeno, entrava em casa e tinha a sensação de que, apesar de ter sido só um Sete de Setembro para a gente, ali dentro tinham corrido meses. Como aquelas contas de cachorro: um ano nosso equivale a sete para as poltronas e por aí vai.
     Corria na frente de todos para ser o primeiro a ver a cozinha, os quartos, o banheiro. Ia olhando aquelas pétalas caídas ao redor do vaso, o relógio do micro-ondas piscando zerado, um pano de chão esturricado no varal, as pias sem nem uma gotinha de água. Como um mundo recém-descoberto.
     É uma sensação que dura pouco, logo abre-se as cortinas e vai-se retomando tudo de novo. Ali está a partezinha amassada do sofá, a marca de panela quente na mesa, o lado da janela que não fecha direito.

* * *
Hoje eu vinha pensando em Deus enquanto fazia meu caminho de todos os dias. Engraçado como comento pouco sobre isso, mas é assim: penso em Deus enquanto caminho.
     De longe reconheci um bem-te-vi; é fácil saber pela cabecinha listrada de preto. Mas de longe pensei que, embora sem dúvida nenhuma fosse um, bem-te-vis são maiores e mais bravos. Só quando passei a uns poucos centímetros e ele não fez menção de fugir foi que me ocorreu a ideia de que era um filhote. Já grandinho, mas um filhote.
     Foi preciso que eu desse mais uns passos até me dar conta de mais: era um bem-te-vi, um filhotinho que ainda mal sabia voar, no meio de um cruzamento onde dali quinze minutos começaria o vai e vem de crianças chegando à escola.
     E então voltei. Não sei de quem era o maior medo, se o meu de machucá-lo ou o dele de ser machucado, mas peguei-o nas mãos. Fechei bem a concha para que ele não caísse; pareceu não ter nada fora de ordem, talvez estivesse só cansado do primeiro voo. O coraçãozinho acelerado. Convenhamos, amiguinho, que um cruzamento não é um bom lugar para descansar. Pensei em colocá-lo dentro do bolso da jaqueta, mas também pensei que a natureza sabe fazer seu papel melhor que eu.
     Ficou ali, entre os galhos floridos de uma glicínia.

* * *
Ontem à noite fui buscar água e a geladeira vazia me lembrou que hoje é dia de mercado. Desde pequeno adoro dia de mercado.